quinta-feira, 3 de julho de 2008

Personagens da infância


Não há quem não tenha uma recordação de infância. Ou guarde na lembrança um personagem interessante que marcou aquela fase. Bom, eu tenho a felicidade de colecionar vários. E cada um guardo como se fosse uma jóia dentro do meu coração.
Pois ontem esbarrei em um deles. Uma pessoa que acompanhou a minha vida, de perto e de longe, no dia a dia, até eu sair da casa de meus pais.
Eu já o tinha visto várias vêzes pelas ruas do Leme, mas esperava o momento ideal para parar e prosear. Encontrar estas pessoas sempre me emocionam e eu precisava estar preparada. Afinal, ao vê-las, começa a enxurrada de recordações. E ontem, quarta feira, foi o dia.
Eu estava indo para o banco e lá vinha ele na direção contrária. Passos firme, cabelos grisalhos, traços fortes, uma visão inconfundível.
Ele me viu crescer, me viu pegar todos os dias o onibus escolar, me via saindo à noite para casa do meu padrinho com meu pai, indo para a casa da avó com a mãe, me viu entrar para faculdade, me viu sair do edifício no meu primeiro carro, e foi testemunha dos convidados e festas que iluminavam os domingos e datas importantes no meu apartamento.
Brincava com meu pai e meu irmão nos dias de jogos do Flu e estava de prontidão na portaria do meu prédio, o lengedário Montese, quando eu saí vestida de noiva rumo ao meu futuro. Do lado de fora, outro personagem maravilhoso me aguardava no carro: o nosso garagista Chico, que me conduziu até a igreja com minhas daminhas lindas Rô, Renata e minha sobrinha Gisela.
Raimundo sempre esteve por perto. Até o encerramento de nossa história no Montese. No dia que minha mãe morreu, lá estava ele nos cumprimentando. Lá estava ele na missa de sétimo dia.
Quando foi a vez de meu pai, em 2001, lá estava ele sério entristecido e solidário.
Os porteiros do edifício Montese sempre estiveram presentes. Sempre fizeram parte da vida de cada morador que construiu a história daquele condomínio nos anos dourados do Leme e do Rio de Janeiro. Ele não esquece da gente e ao parar na minha frente foi logo perguntando pelo xodó da casa:
-"E o Aryzinho, como vai? E as meninas? Ainda me lembro das duas pequeninas."
-"Estão moças feitas, moram em Nova Iorque e são lindas."
Ele sorriu e brincou:
-"Você sempre jovem, uma garota."
Pensei, Raimundo não está enxergando bem.
Mas ele não me viu com olhos de hoje. Estava me vendo como aquela menina de cabelos cacheados, depois longos, feliz, andando de bicicleta, indo para praia, indo para faculdade, sorrindo para vida.
E eu também o estava vendo com um olhar benevelonte. Aquele da infância.
Meu porteiro Raimundo sempre adorou uma conversa e sempre brincou comigo.
Dele e do Chico, nosso garagista, guardarei para sempre a recordação de profissionais corretos, companheiros e amigos, sempre dispostos a colaborar e atender nossos pedidos.
Raimundo está feliz. O filho único estuda Direito. Ele continua no Montese, acompanhado de perto e de longe as histórias dos novos moradores.

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