A parceira das boas lembranças

Meu inesquecível pai Ary com Alice, em Poços de Caldas, sul de Minas.

Bom dia queridos. Hoje vou me alongar um pouco nas palavras. É que quero falar sobre uma figura muito popular na vida e nos contos de fadas: a madastra.

Desde que inventaram a madastra da Branca de Neve, as pessoas criaram uma resistência com esta figura que entra em nossas vidas sem a gente pedir, ou querer. Da mãe se espera amor eterno e sacrifícios. Da madrasta, esperam-se maquinações que, como mostra a história de Branca de Neve, visam à destruição da enteada. Mas não é verdade. As madastras de verdade criam elos, relações fortes de carinho, de amor, de histórias. Os brasileiros inventaram até outro termo para aliviar o karma delas: as boadastras.

Seria ideal que o homem e mulher tivessem filhos dentro de apenas um casamento. Mas as relações se esgotam e os dois precisam buscar novos caminhos. E os filhos estão ali, no meio desta decisão, entre sentimentos confusos de ciúmes, ressentimento.

Nunca imaginei na minha vida que meu pai fosse se casar após os oitenta anos de vida. Mas aconteceu. Depois da morte de minha mãe, ele andava triste e eu -mais que todo mundo - não queria que ele fosse embora em seguida. Então coloquei o velho Ary em um clube da terceira idade, promovia festas em casa, levava meu pai para os bailes da tarde, e nestas andanças pelo Brasil, ele conheceu Alice. No começo, não nego, foi um pouquinho complicado para a minha cabeça e de meu irmão. Mas, eu queria que meu pai continuasse a ser feliz e tivesse uma companhia. E fui educando meu lado ciumento e conservador. Deu certo. Mas para mim do que para meu irmão. Shiro, meu guardião, foi um laço forte que nos aproximou. Ele é louco por ela. Não pode escutar o nome de Alice e começa a pular. Ela sempre o levou para passear e me deu uma grande mão nisso. Depois, vieram as conversas, a cumplicidade, a doença de meu pai, a morte. Eu e Alice continuamos lado a lado. Com a mudança de minha história, ela sempre esteve por perto. Como eu digo no meu livro, ela chegava nas horas inesperadas e costumava dizer: -"Seu pai soprou no meu ouvido e mandou eu vir aqui."

Evangélica, chiquérrima, boa de coração, não me deixou um segundo. Sempre que saia de uma das minhas consultas, lá estava ela sentada no banco me aguardando toda faceira.

Vaidosa, amiga, séria, bonitona, Alice foi um presente de meu pai para mim.

Hoje, dia do aniversário dela, nada seria mais justo que esta simples homenagem. Se eu tivesse um enteado, uma enteada, me espelharia em Alice. Não gosto do termo boadastra. Quero dismistificar a palavra "madastra". Alice é minha boa madastra, minha amiga, porque quem tenho respeito e gratidão. E acima de tudo por trazer com ela sempre, as memórias, as histórias, as gargalhadas e a lembrança de meu pai.

Feliz aniversário, minha madastra.