quarta-feira, 28 de maio de 2008

A superação do cotidiano

Parecia que tudo corria bem, na calma do cotidiano. Até que ouvi um grito da cozinha:
-Venha ver o que aconteceu!
Levantei calmamente do quarto de TV e imaginei outro novo problema. Parecia que as coisas não iam parar de acontecer. Imprevistos, chatices do dia a dia, despesas e mais despesas e o bendito banheiro que não terminava nunca. Sem falar que a reforma foi obrigatória, o nervosismo do meu par com o trabalho na TV não tinha fim e agora, o fogão. Que beleza.
O forno tinha explodido. Bom, thanks God que não machucou ninguém.
Ficamos ali paradas, eu e minha parceira do dia a dia olhando o estrago , enquanto o bombeiro trabalhava no banheiro. Ah se fosse em outros tempos. Eu ia gritar, espernear , ligar para todo mundo , culpar o olho gordo dos outros, mas agora, depois do câncer, tudo eu tirava de letra. A gente aprende. Seja com a idade, ou seja comparando o que é problema e o que é problema de verdade.
Nada me surpreendia, nada. Fiquei observando aquele quadro, pensando em mais uma despesa e me perguntando, quando eu vou poder começar a trabalhar? Quando eu volto a ganhar dinheiro? É tanta despesa. Que chatice ficar em casa. Que preocupação com tudo! E como a gente se preocupa não é?
Meu apartamento estava de cabeça pra baixo, pedreiros arrancando azulejos por causa de um vazamento, entrando e saindo, eu mais pra lá do que pra cá por causa dos efeitos da quimioterapia, pensando no procedimento novo que teria que enfrentar e agora o forno.
Parei tudo, sentei na sala e estática fiquei alguns minutos olhando o nada. E sem pensar também em nada. De repente me levantei, olhei ao redor e gritei: dane-se. Vamos resolver isto também.
Resolver é um verbo bom.
Na verdade, a implicância que tenho com este apartamento é bem minha. Todo mundo gosta do meu canto. Estou aqui desde 1983. Queria ficar apenas uns cinco anos. Mas como gosto de ganhar e gastar dinheiro, dei outras prioridades a minha vida. E aí o tempo foi passando, os anos, outras coisas acontecendo e fui ficando, ficando...
Mas apesar de ser no Leme, (eu acho que pertenço ao Leme e o Leme também me pertence) eu sempre quis sempre sair daqui. Para mim este pouso seria temporário. Não tinha muito a ver com minha imaginação ambiciosa.
Mas bem lá no fundo do meu coração, eu sei que meu apartamento é de fato uma gracinha. Uma casinha de bonecas. Ele significa uma conquista minha, bem minha, só minha. Uma vitória às minhas custas. Queria sair daqui, mas não gostaria de vendê-lo porque quero ficar olhando de longe este meu troféu. Mas cada vez mais sinto que a gente não tem tudo mesmo. E como a vontade de sair daqui é tão grande, preciso pensar. Queria algo novo, mais moderno , mais arrojado. Vou ter que fazer novas opções, não tem jeito.
Mas não agora. Agora é hora de enfrentar o último procedimento para não falar cirurgia. E saber que depois disto, terminamos a segunda grande etapa.
Enquanto isto vou deixar a raiva de ter gasto dinheiro neste banheiro adormecer. Quer horror sentir raiva , não é? Que palavra horrível. Enfim dá para entender que prefiro comprar grama , estrume para o sítio do que gastar neste apartamento? Vá entender o ser humano e seus gostos!
Mas por lado, meu apartamento é um troféu, um Oscar de luta. Sou grata a mim mesma, aos créditos que consegui para adquiri-lo, a força que tive para comprá-lo, e aos empregos que me deram para que eu pudesse quitá-lo. Ele é meu a minha vitória frente ao que sempre sonhei e também diante da ditadura familiar. Aqui vivi a vida que quis. E sou grata por isso. E sou orgulhosa disso. Da minha independência, da minha luta .
Mas está na hora de renovar. De revoar, de ir ao encontro a outros sonhos .

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